30 junho, 2010

tenho no avesso da cabeça o pensamento da cabeça
onde escorrem rios de mel na profundidade dos olhos.
ouvem-se no ressoar das lágrimas o voo em espirais de luz
dos pirilampos no cantar do silêncio.
coloco a cabeça num ninho de leite
onde a palavra soluça furibunda o avesso coração:
no interior da cabeça o reverso do tanger dos dígitos
do alto das costas ao rebater das ondas.

resvala o mel no antro da saudade
no avesso dos olhos da cabeça,
onde a veracidade é o vazio da pele.

pelas escamas do corpo das musas,
das bacantes e das mulheres nuas sobre a cama,
colhem-se papoilas no arrulhar das fêmeas pela noite.

na articulação do pensar imaginado,
onde a cabeça é reflexo do verso imaculado,
os meninos correm nos seus pés descalços sobre a relva
e as mulheres amam em camas silvestres junto ao rio.
todas as coisas vivem na simplicidade no avesso da cabeça,
no viver a vida pelo o interior das coisas
no pleno latejar do avesso coração.

29 junho, 2010

naquele momento exacto de ser canto, sou flor:
no rasgo certo entre a vida e o sonho,
no adormecer do beijo junto ao lábio,
dentro do acordar da pele das florestas,
nas lágrimas das fadas,
no riso das bocas na alvorada dos olhos,
no carinho do abraço das portas da vida.

na rocha onde descanso o meu colo, sou lágrima,
água alguma dos teus olhos todos,
no existir da claridade onde respiras,
onde és apenas a porosidade da terras dos pés,
onde pouso as mãos de mil raízes,
no entreabrir da paz do corpo.

e se te sonho porque me sonho, também és.
na submersão das pétalas na correnteza,
no engasgar da palavra amor, grito o teu nome:
água. nome que invade o corpo na asfixia do poema,
na aconchego dos peixes e das pedras
com a luz no cimo dos olhos.

grito água, como quem diz amor, ódio, morango,
na perpetuação daquele canto em que fui flor.

na flor da água que sou também tu.
no canto da agua em que me és flor, também eu.

23 junho, 2010

aquela estrela no cimo da constelação,
junto ao ombro do coração,
onde pernoitámos as noites selvagens
partilhando os vinhos e o silêncio todo.

pela boca inculta do teu beijo,
onde o verbo se confunde na branca folha no alto dos dentes,
jaze a tranquila insensatez da ambição de cristal índigo,
no pintar dos olhos e dos decotes das estrelas,
no antever do irradiar da luz das mãos.

pego no anis estelar junto aos teus seios mariposa,
onde enalteces os poetas e a suavidade das águas,
no acontecer do passar das horas,
na apressada corrida dos sorrisos.


no verbo beijo,
com sabor dos tintos vinhos do céu da boca,
o passar do rio, das casas
e das mulheres tecendo os filhos
com suas grandes bocas de felicidade,
no fiar dos cordões umbilicais,
onde também tu sorris segregando o existir.

22 junho, 2010

da ponta da agulha de ferro,
no entrar e no sair das partes mais pequenas da romã,
sorvem-se os saberes do teu ventre,
entre o mundo dos lábios e o joelhos tremendo.

no abandono da dor,
nos cristais marítimos do prazer,
ocultam-se as vergonhas no arfar dos úmbigos.
no centro dos lábios mudos,
entre a língua e a harmonia dos sinos.

no entrar da agulha no respirar da romã,
colhem-se abandonos, no encontro do silêncio.
na calor das águas dos corpos,
onde mergulhamos no ferro da agulha,
no culminar da sofreguidão dos corpos,
nos lamentos da ilusão do prazer.
na solidão das romãs,
nas extremidades subterrâneas dos ventres,
a exaltação da cópula do mundo:
no repassar da flor poema,
no logro do comprazer.

no roçagar dos lábios das romãs,
em todas as partes mais vermelhas,
és também só no jejuar de ti.

e na troça dos céus aquele divino silêncio
onde se esquecem as existências,
o cair da terra sobre o corpo exausto de saudade.

21 junho, 2010

dentro da caixa está escondido o interior da caixa,
na revelação do nascer da letra,
no raiar da beleza particular do branco.

ouve-se o respirar do brinco
no pestanejar da noite,
entre os vinhos, as pernas e as línguas
com os seus mil sexos de oliveira.
nasce a letra da conjugação da letra,
no soletrar, entre a saliva e os dentes.
letra magnificente no seu corpo,
da cabeça dos céus à base dos pés,
esses pés de caminho pela linha e pelo ponto,
no encontro da paz do verbo pleno e plural.

brinco que expira no inspirar da caixa,
no sorrir da bigorna da noite,
no malhar da letra pelo fogo do lábio
na construção sublime da coisa.

no reflexo das luzes o branco -
esse branco da sombra das oliveiras -
onde os sexos perduram entre as letras e o alto das pernas
no alvo da boca e na celebração do som,
germina o exterior da caixa no acontecer interior,
onde tudo é por dentro,
no culminar do caminho de fora.
sou apenas pedra, coração e peixe...
no cair da montanha, no bater do sossego, pelo mar dos olhos.
no enamoramento daquele singular cabelo,
da folha que cai sobre a poça
e no sol no reflexo das águas,
existe a suavidade em todos os pequenos gestos

encalho no amor no bater do gesto,
no engajar da simplicidade da gota
(aquela gota que flutua entre os corpos e o ferro),
e dos olhos, pelo mar, afundam-se as raízes,
na profundidade do zelo, no digitar do cansaço.

no reflexo do sol sobre a folha,
na perfeição imperfeita da vida ou da morte,
nascem crianças pelas flores lilases
beijadas pelos lábios carnudos,
no correr da transpiração e da paz.

pego nas crianças pela água
na asfixia do cansaço do beijo das flores,
comendo os seus sorrisos de branco no acolher da língua,
sorvendo o leite pelas nuvens,
no regozijo da fasta vida.

18 junho, 2010

no movimento compassivo da hélice dos sonhos
no caminho da praia, junto ao furibundo motor coração,
vislumbra-se o arrebol no horizonte do sorriso,
aquele mesmo sorriso com que desnudas as tuas penas,
no abrir das pernas e dos lábios.
é junto dos teus membros mais escamosos,
no húmido motor da tua pele,
que adormecem as unhas e os dentes,
no lamber dos líquidos mais sedosos da terra,
onde nasces em teu corpo girassol
no sangue que corre com as luas.

no arregalar do colossal respirar da manhã,
onde nos deitamos na cólera do beijo,
no compasso da hélice dos sonhos,
no carburar do pensamento da cabeça alada,
nasce a boca no silêncio das águas.

é pela cabeça que giro o mundo e o dobro,
colocando-o no ventre da terra
onde nascem singulares cabeças mundo.

na harmoniosa composição do pensar,
onde a cabeça está na junção da cabeça,
crio o amor em todas as suas peças,
na engrenagem do beijo pela língua,
no olhar e pelos dedos.

aceno-te na descoberta da pele
no silêncio das águas do teu ventre,
onde acolhes as cabeças mundo,
no movimento compassivo da hélice dos sonhos
no caminho da praia, junto ao furibundo motor coração.

17 junho, 2010

no veio da nuvem passa um carreiro de paz,
no centro dos olhos do pássaro amarelo
onde outrora descansei os meus ramos mais pequenos.
da boca aberta grita esvoaçando aquela borboleta azul,
entre fagulhas de maçãs e laranjas em fogo brando.
coloco a mão sobre a estrela mais distante
sentindo o leite quente no teu peito de vénus.

sente-se a paz na água do copo sobre a
mesa posta no lado de fora da casa.
a mulher respira a criança que corre na nuvem de paz,
no centro dos olhos do pássaro amarelo,
onde as migalhas das flores cobrem o céu de magnólias pela noite,
na incandescência do afecto do garfo e da faca sobre a mesa,
no colo daquela estrela de leite.

coloco a chave pela estrela no abrir do coração,
exigindo pela força do braço a procura da noite.
pela janela vermelha dos poços passam as fadas galopando no poema,
onde a palavra é na vírgula e sobre o ponto
a construção do verbo secreto do amor.

na água do copo sobre a mesa os lábios descansam no silêncio,
onde o vidro reflecte a mulher e o ar,
e ao longe aquela nuvem de paz
onde descanso o verbo e os meus ramos mais pequenos,
no centro dos olhos do pássaro amarelo.
no orvalho da tua língua viperina,
onde as luas das lágrimas de mel renascem,
está retida a verdadeira liberdade do desapego do amor.
encosto-me no aconchego dos teus pés e na filosofia do teu peito.
no silêncio oiço o rufar do coração do mundo,
no enternecer do ouvido e da tua pele mais exterior.
sigo-te pelos dedos no enamoramento da descoberta,
dedo ante dedo,
no abismo do teu umbigo à claridade das ervas.

arquivo os cheiros das tuas particularidades mais doces
no mapeamento do teu corpo sonho, vivo no teu corpo pedra,
entre as árvores, as flores e os risos das crianças.

no desapego do amor construo-te na brisa da manhã,
no desenho das conchas marítimas, no reflexo da saliva.
no efémero existir do beijo o eterno viver do abraço...
na ilusão de ser.

12 junho, 2010

ando para lado nenhum na ilusão que vou para algum lado...
por fim cesso imóvel na delícia de ficar...
no presente de quase nada...
como a aragem, o vento, a folha...
ou como eu próprio neste mundo.

sigo pelas raízes deste mundo sem curvas;
papagaio de papel rumo ás estrelas e aos ramos,
na singularidade do voo:
fluindo na dança da aragem
como a palavra poema dita pela voz da luz,
ou pelos poetas com suas grandes asas.

percorro pela terra,
furando-a com a voracidade do beijo.

olho a plenitude naquele pássaro violeta,
falcão dourado das auras do mundo todo.
numa flor sou a faca pela pele,
pela pele sou a água das estrelas,
no caminho contínuo dos encontros de pó.

estanco os pés pelas pedras que me puxam
no fluir dos dias e do pensar:
aceito que tudo é vida ou sonho,
no ganhar pleno dos mil braços que me crescem pela cabeça,
do sumo das maçãs e do sal pela boca.

percorro a casa vida no momento próprio e único,
com todos os olhos das mãos percorro o espaço,
o soalho, os móveis, o napron muito branco sobre a mesa,
o gato que mia,
o homem das mãos que percorre o mundo pela janela,
a vizinha no rufar do tambor;
casa labirinto de mil choros,
de sorrisos muitos pelas mãos,
no construir das asas e do sonho vida.

paro no vislumbre da paz e do silêncio,
porque todas as coisas são essência simples de todas as coisas
ou como eu próprio neste mundo.

08 junho, 2010

o olhar no balanço das marés.
aqui e ali uma estrela de anis sobre o peito,
esse peito de maresia e aconchego
no beijo silencioso das mãos e das unhas.

sente-se o palpitar da lágrima incandescente,
no inverso do corpo mais despido.
corpo ultrapassado na ilusão do existir,
no beijo húmido dos joelhos ao umbigo.

é de carmim a promessa que corre pelo vento:
som pela lâmina no afiar do amor,
jura, lume, coisa, pêlo, boca.

é no apego que morre a onda e o pássaro...
é na afeição do respirar que morre a mãe e filho,
o sonho, a sorte, a coisa alguma.

olho o balanço das marés como quem olha o trapézio das marés:
no vai que vem e que vai...
sem esperança ou premeditação,
no movimento do movimento.

no desejo do corpo não corpo,
come-se o pão pelos olhos e pelo sol.
no baloiçar do tempo, no desapego dos ossos,
no silêncio.

entre as amoras e os abraços
existem todas as coisas inexplicáveis e mágicas:
a borboleta que voa, as maçãs pelo chão, o cintilar das almas,
o sentir conjugado no agora,
o olhar no balanço das marés.

05 junho, 2010

se o amor soubesse a manteiga,
comia-o com torradas e mel...
pelas fomes da boca, dos dentes e dos olhos.

mas o amor é um pássaro de ar revolto:
com o seu bico lança,
com suas penas de acaso
onde nos ferimos no toque e nos alegramos no abraço.
o amor é toda a coisa que nos cerca:
aqueles olhos grandes da noite,
o cheiro a framboesas pelo ar,
a água que jorra no interior da garganta,
a voz que beija pela palavra,
as mãos no regaço e os cabelos nos olhos,
o fogo da fogueira pela ardor do canto,
as lágrimas que caem no vazio pelos oceanos,
a areia que voa pelos correr dos pés,
a boca mordida pelos dentes antes do beijo,
o silêncio dos corpos no encontro que já foi.

quando for grande deito-me na relva a sentir a terra e o silencio...
e de quando em quando partirei para outras terras de abraço e de sonho.
nos abraços descobrirei que abraços já fui,
e pelas mãos fluirá o sangue do sonho num azul de serpentinas e risos.

que os passos sejam sementes,
e as palavras e os incensos a magia resplandecente das asas,
no encontro da terra por baixo dos corpos,
ao encontro das águas onde já fomos vida,
ao sabor do ventos que nos despenteiam os espíritos.

quando for grande serei apenas mais pequeno,
porque saberei brincar na erva e no sonho,
na comunhão do amor e da ternura.

sento-me no inicio e pelo fim,
no sonho que é sobretudo a vida...
no reboliço inesperado dos verbos...
no deixar acontecer o rio.
sentamos-nos?
no início e pelo fim.

02 junho, 2010

no crepúsculo brilham os olhos da noite,
essa clara noite onde brilha a estrela de alva.
espera o tempo do encontro e do amor,
na simplicidade de ser pela noite o riso das luas

por hoje desejo aquele abraço de silêncio...
no verso que não rima,
na música surda dos pássaros,
no vórtice dos corações alados...
naquela ausência total onde me aconteces no renascimento.

e sou as mãos da tua voz imensa,
onde as ondas te recebem ao meio dia.

queres falar?
sim quero falar no alto do mundo,
naquela língua de frutos silvestres,
a passo largo e lento com areia pelos pés,
no canto dos meninos do encontro,
todos eles pelas mãos do mundo.
sim quero falar naquela voz inaudita de silêncio,
no medo da voz e dos lábios.
sim quero falar daquele abraço luminoso,
onde somos sol de muitos mundos.

por hoje desejo aquele abraço de silêncio...
no encerrar dos olhos na paz do colo,
no adormecer na alegria, sem pressas e amanha.

possamos sorrir os sorrisos todos desta vida,
como noutras que foram e que virão,
na relativa coisa que é a vida que nos brinda.

sim, quero falar.
por hoje desejo aquele abraço de silêncio...