24 setembro, 2010

barco sobre as águas flutuando no deslumbramento:
corpo no encontro das marés, do sol ardendo,
da chuva intermitente dos pesadelos,
pássaros gritando o perfeito canto.
barco sobre as águas morrendo na paz:
sem motor, sem vela agitada ao vento,
sem mastros, sem casco, sem viajantes...
barco ancora. barco afundado à superfície.

e o corpo balouçando sobre as conchas de papel,
barco de palavra construído,
com seus versos boiando junto ao beijo das folhas.
corpo que é na paz da morte a certeza do que é amor,
corpo peixe na imersão das águas lunares,
esplendoroso peixe poema no encanto da língua,
voz marítima no segredo dos lábios...

barco que navega sobre as árvores
rumando ao sabor das nuvens e das folhas voando,
com crianças correndo pela proa do beijo
e os homens amando a madeira das mulheres junto aos remos.
barco que sonha na tempestade do poema,
palavra engalanada ao leme,
norte que é acontecendo pelo verso
na récita da ode das águas salgadas do ventre da mulher.

mulher das águas,
dos oceanos dos peixes de prata
dos rios de riso ecoando pelas casas desertas.
e o barco sendo sobre a mulher,
no arrebate do coração âncora,
do coração hélice...
barco voando sobre a brisa,
barco correndo como verbo,
no acontecer do corpo que se afunda.

23 setembro, 2010

corpo deitado sobre a pedra de rosas
envolto na fina mortalha da carícia dos dedos.
braços misturados de branco das nuvens passando,
folha viajante dos céus todos, dos olhos do mundo,
deuses de silêncio sobre a brasa.

e o vento soprando no sobressalto da morte.
onda que canta letra a letra a poesia inaudível:
belo é o som do vazio das mariposas de azul.

céu que acolhe o corpo mortalhado na chama
sobre o rio que passa, no leito das costas do poeta.
ai! morte imensa que me chama,
poema magnífico no culminar dos dias,
silêncio que se agarra à parte interior da pele,
ficando e ficando no respirar da palavra:
ente que se entrega ao florescer da semente derradeira.

e o corpo consumido pela pira sobre o rio,
ardendo no poema findo, coisa da noite brilhando.
e as crianças cantando no soluço branco da paz,
e as mulheres pela a areia caminhando com a água pelos olhos.
e o corpo do poema ardendo
na extinção do verbo absoluto do coração.

pássaros de cores voando sobre o rio no acolher dos dedos,
o corpo findo, a alma de desejo, a palavra violenta,
as flautas ardendo no canto da água,
e a palavra corpo flutuando sobre a língua.

correnteza que chama.
pulsar da terra que clama o corpo ausente do tambor
tocando sobre o lume da noite...
morrendo assim. vivendo assim. silenciando assim.
paz infinita que se consome na cabeça
com azeite ardendo na concha das mãos,
iluminando o tenro caminho das estrelas que caem.
ai! corpo da palavra! revolução das mariposas azuis!
letra na ascenção do poema coração...
coração árvore da poesia
florescendo no alto da cabeça.

16 setembro, 2010

coração de poliéster ressoando,
explodindo no fumo da cabeça.
naftalina nas axilas e braços bem dobrados,
dobra após dobra,
no vinco entre o coração e a faca.

lento é o existir e rápida é a morte:
palavra esperando o momento da criação
no mundo silencioso de não ser.

e as cegonhas que pousam na minha cabeça
nidificando a esperança da alegria:
palavra ressoando no papel,
contentamento do verbo no lábio.

rio que é sonho no existir das flores de plástico,
na encruzilhada do vidro entre a língua e os dentes.
coração findando no quebrantar da luz,
poliester entre a linha e o limbo,
no cruzar eterno da vida que acontece.

10 setembro, 2010

por ora sou nuvem navegando no sangue,
céu de ausência dos olhos cerrados, em lágrimas,
flutuando sobre os astros,
luminosa existência de ser água voando,
no canto das estrelas,
no baloiço das flores silvestres no teu cabelo voando.

por ora sou a palavra que explode,
que grita do centro do mundo ao alto da boca,
acordando o coração e a própria morte.
palavra bicho que corre pela pele,
içando bandeiras escarlate nos teus olhos de sonho.

manhãs onde desejo a presença da tua boca,
entre laranjas aos gomos e rios de oceanos acordando.
astros baloiçando sobre as árvores das crianças.
cama que se afunda no remoinho da distância,
no silêncio que nos fica na entrega dos corpos,
fugindo pelo corpo a força da palavra explodindo.
corpo que esmorece ao toque do desamor,
alma perdida no canavial.

por ora sou dor que permanece.
flor que é pedra, borboleta de asas de ferro caindo,
canto mudo,
mãos que caem pelo outono que nos cerca.

por ora sou amor.
sendo nuvem sobre a palavra que explode pela manhã.
inusitado amor que é
acontecendo.

09 setembro, 2010

calma.
inusitada pausa no respirar do mundo,
no sentar do corpo na procura do chão:
chão que espera e revolta o pensamento,
que floresce na alegria dos dedos,
no percorrer da pele...
calma.
no silêncio dos lábios sobre os braços,
no interior dos braços,
nos pés subindo ao calor do mais alto contentamento,
umbigo, barriga, pele.
pele que é pele e casa onde me habito dentro de ti
palavra verbo onde me encaixo e descanso.

fluir.
sangue que cai da flor no parapeito do coração,
cascata de vermelho na ascenção da carícia:
silêncio, olhar, beijo, abraço, toque,
palavra, lágrima, água.
fluir.
caminhos dentro do alma brotando,
beijo que cai na boca sobre o anjo,
fluindo o amor nos olhos do quente sol,
corpo que exalta a transpiração dos sorrisos,
na partilha de anis e canela no alto das pernas.
forte e calmo no acontecer,
revolução que explode no olhar de lobo,
mulher lua que canta e que é...

acontecer.
proibido momento entre o nascer do sol e a morte,
sem pressentimento...
acontecendo na calma da pele e da palavra,
fluindo no amor...
coisa que acontece nascendo de rompante.
acontecer.
o amor.
as mãos.
o tudo.
o nada.
também hoje.

05 setembro, 2010

e a mulher do coração cantava...
voz que eclodia do silêncio,
perpetuando-o no sorriso dos dedos sobre a vida.
voz do mundo, onda imensa rebentando,
girassol lunar, cotovia no almejo da paz.
ai voz resplandecente que grita, que chora,
que vive...

e a mulher da alma sorria...
boca luminosa pela palavra,
pelo beijo que entra de rompante,
escafandro que mergulha na alma do meu mundo.
lábio inferior que perfura a terra
poço de luz jorrando às golfadas o amor:
língua seta que perfura a morte após morte,
vivendo a vida após vida.

e a mulher do mundo tocava...
seu véu de azul vermelho voando no alto céu da vida.
dedos que percorrem o infinito,
poesia imensa no tocar das estrelas e dos sinais:
pele que arde,
pele que grita ao toque na fusão plena de se ser,
pétala que é flor e caule e raiz,
barriga de festas,
pernas que voam no percorrer dos dedos.

e a mulher do corpo dançava...
alma que toca de leve os passos sobre a madeira,
subindo redondamente as árvores.
movimento daquela erva em silêncio,
daquela nuvem que passa ali,
mão que pousa sobre a mão
e que pela mão dança a vida toda.

e a mulher da vida planta-me...
semeando o coração de flores de água e sangue,
na calma possível do rio que transborda,
fecundando-me.
eu que floresço dos sons da terra
e do silêncio dos céus,
no encontro de me seres mulher:
mulher total, sem promessas,
de presença,
de entrega...
...amor que também é.

03 setembro, 2010

entro no teu ventre preenchendo-o,
vivendo-o...
sou o ar que te percorre a imensidão:
os teus campos de poesia florescendo em alfazema na tua cabeça,
montanhas de ar quente no cruzamento dos astros
e a terra toda como berço,
como o leito onde nos deitamos.

entro no teu ventre com a palavra.
e com cada letra toco nos teus segredos, tesouros,
pedra perdida no alto da cama,
em silêncio, palpitando dentro do teu vaso.
verbo que é raio no teu corpo de céu,
descoberta sem fim onde me entrego,
livro inacabado com que me escrevo.

entro no teu ventre como na tua cabeça.
porque a cabeça é também ventre e coração e alma;
na cabeça eu sou e não sou:
cabeça geradora do mundo todo onde me encontro na tua pele.
e beijo-te os olhos, o nariz, as orelhas e a boca,
e no encontro do beijo com as tuas partes
vivo o teu ventre de fora respirando-o por dentro.

entro no teu ventre no subir da árvore,
no tocar da folha caindo,
no abraço da casca onde me relvo na palavra e sonho,
onde me torno e transformo em gigante polvo do amor,
flutuando no horizonte do abraço onde me és.

entro no teu ventre criando-me no que me és,
e no que me és sou na essência da cabeça.
percorres o teu caminho onde me encontro sendo.
planto flores amarelas e laranjas no âmago do teu sorriso,
e pelo o colo te tomo o corpo,
rodando de norte a norte,
amando o que te és em mim em todas as direcções da minha alma.

entro no teu ventre porque o amor assim é:
inesperada coisa que acontece,
agua, ar , terra, fogo,
espírito de rompante, ascendendo a respiração,
sendo
apenas vida.

02 setembro, 2010

como não te ter se já te tenho.

lábios de flor crescendo dos céus,
impregnando aromas no alto da boca do mundo.
lábios mariposa batendo, oscilando,
chagando-se à mais alta calma do meu braço.
lábios húmidos...doces...estrelas de anis.

como não te ter se já te tenho.

movimento...oscilação...paragem.
respirar da terra.
no alto as ramos protegem o abraço,
curvando-se ao vento numa celebração de silêncio:
nos olhos que fecham,
dedos caminhantes do calor da voz,
do gemer do sangue.
ai feroz fera do amor galopando florestas,
culminado na paz da guerra
água correndo no rio certo do amor.

como não te ter se já te tenho.

palavra, verso, virgula, verbo, exclamação.
mão, beijo, grandes lábios, voz, sussurro.
silêncio, grito, vida.
e os pássaros cantando e o mundo girando como sempre foi...
sem medo,
sentindo e pressentindo a vida,
as vidas todas...
em que me és rio, luz, pedra, sorriso.

como não te ter se já te tenho.