30 janeiro, 2010

das tuas mãos brancas sobre o leito
oculta-se o aroma a anis do cimo das tuas pernas.
o teu corpo reflecte a luz do teu prazer:
és uma imensa luz que flameja pela noite.

o teu corpo nu é imenso pela cama:
cobres todos os ângulos do mundo celeste
e os teus gritos ressoam na boca dos pássaros de cores.

sente-se o vibrar da terra e do fogo
no movimento perpétuo das tuas ancas,
no abraço intenso e húmido da tua boca.

aceito o teu sexo no frenesim do silêncio
mas são as tuas mãos que me colhem sem sobressaltos:
sem esperanças agrilhoadas no poema que resplandece
em todas as particularidades onde tocas e respiras.

26 janeiro, 2010

deito-me no corpo que me deste sobre a aurora
no engasgar da noite.
sente-se a urgência e a quietação do ar.
lá fora corre o mundo como cá dentro,
porque tudo corre ou está parado na ilusão.

o pensamento vagueia pela pele:
sente-se o cheiro da feminilidade,
do prazer e do sangue que escorre pelos lábios;
lábios que acolhem até ao ventre
e expulsam no abraço do amor.

um corvo transpõe o seu bico até ao osso da alma
acordando os espíritos que habitam na pele:
abrem-se feridas no adormecer dos lábios
e escorrem palavras,
pequenas e grandes,
do interior do mundo do coração.

21 janeiro, 2010

sente-se a tentação da queda e da vertigem,
do acto louco e desvairado,
do beijo incólume,
da língua no desejo da língua e do prazer,
dos olhos muito abertos,
das mãos trémulas como esboço da intenção do toque.

depois o peso do mundo todo sobre as folhas e os ossos,
balanceando entre o pensamento e o apetite.

toda a fome é desvairada até à morte,
todo o desejo é fome quente e doce
toda a queda é aguda, fria e só.
porque solitários são os beijos secretos,
porque secreta é a aspiração do desejo e da queda.

20 janeiro, 2010

um pássaro de prata sobrevoa a paz em sangue,
o seu voar é terno como o beijo molhado das amantes
e quente como a faca junto ao coração.
a paz é um momento apenas entre o respirar da manhã
e o expoente do prazer.
o pássaro de prata parte no contentamento do ódio:
está molhado o lençol onde os corpos amortecem a queda,
e no ar aquela aversão, aquele enlevo que arrepia.

19 janeiro, 2010

vivem as mãos nuas junto ao corpo suado,
sente-se a água que escorre pelo peito vibrante.
ouve-se ao longe os espasmos do rouxinol que morre
pelo poema e pelo canto.
a luz resplandece no crepúsculo que se anuncia no anoitecer da pele,
no calor distante do prazer e da repulsa.
lambo as partes mais viscosas do sonho
e delicio-me com o néctar que envenena,
aos poucos,
toda a existência da loucura.

sabem a grãos de pimenta as águas que descem dos deuses.
embriago-me no passar do tempo das mãos nuas,
a cada momento,
a cada nada,
como se de nada te viesses ao mundo, ao sonho e a mim que te sustento.

sento-me sem corpo na sustentação do prazer
e deixo-me voar em espirais com asas de alecrim e canela.
são inócuos os tempos em que se vive o prazer ou
a transparência etérea das águas.

descanso um pouco no meio das tuas muitas pernas,
onde em oscilações me enlaças pela cabeça,
num aperto derradeiro e primeiro do prazer e do olhar.
os passos escondem e ocultam a pele e o cheiro dos sexos,
dos corpos e dos líquidos que nos deixam.
todos os sexos são inexactos, encerrados em seus ovos de muitas chaves.
sentimos as peles que se cruzam pelos passos,
inalamos os cheiros todos das vulvas suculentas
que nos encerram em seus grandes lábios conchas.

os passos são gavetas que nos encerram no tempo
onde secretamente comemos figos doces até ao sangue.
eis que somos exploradores insaciáveis do prazer imediato,
pois na vida tudo é rápido e fútil como a manteiga derretida nos teus seios

os passos ocultam a procura do sal
que brota em grandes poços secretos no interior da terra
onde são conservados os orgasmos e os gritos fecundos do amor.

os passos, todos os passos, transparecem o amor,
pois nele estão contidas todas as coisas finitas com sabor a anis,
pois nada do que é eterno nos vale ou sabe.
se pela boca bebesse o mundo inteiro
encerraria os sacrilégios da alma do sonho.
a boca ficaria mais suja e mais sábia das coisas mais pequenas
e os olhos chorariam arco-íris de lama.
da boca cairiam maçãs maduras:
o seu sabor lembraria segredos que a pele oculta em gelo transparente,
e o seu odor como mil centelhas que brotam pelo cordão que nos fica da barriga.

eu choraria certamente certas lágrimas,
e as minhas mãos pousariam como ameixas no chão mais celeste,
num luto muito branco pela vida que sempre fica de quem nos morre
do lado interno da afeição.

18 janeiro, 2010

uma borboleta cantava madrugadas
com a voz da noite.
as suas asas iluminavam este mundo de baixo de forma plenamente terna.
do baixo do mundo as borboletas são borboletas,
e os dióspiros sabem a coisas que passam pelas bocas.
as bocas do baixo mundo do mundo de baixo segredam o amor,
o amor total e único.
(o amor tem muitos dentes da sua boca de amor;
dentes que mastigam a palavra ainda não dita,
dentes que sonham com grandes asas de borboleta,
asas de água, de ar e de beijos pela língua e pelos lábios).

uma borboleta cantava a vida inteira e toda
com a voz da morte doce, quente e húmida como as mulheres.
porque as mulheres são a antecipação da morte
pois pelo ventre geram as antípodas do sonho.