29 abril, 2010

no pressentir dos passos pela erva doce
dá-se a respiração da alma.
ouve-se o baloiçar dos ramos e dos cabelos
no embalo das crianças de leite.

cheiram-se as mãos apressadas do devir
e bebem-se os sorrisos de cereja na vã loucura do nascer.

vejo a cabeça no alto da imaginação:
é de sangue e sonho o amor que te recebe.
a tua barriga está presa ao amor da criação...
corto com dentes de rosa a corda da paixão,
na liberdade de seres flor ou animal ou nuvem.

olho-te com os olhos das lágrimas
e com o coração dos gigantes,
na elevação da mais alta poesia
...na inexistência da palavra e na acção do verbo.

é com beijos que recebo o anjos caído:
ser roubado aos céus e aos deuses
pelo esplendor da carne.

és baptizado no leite que jorra da tua mãe,
mulher agrilhoada em flores pela vida dos filhos.
mulher que lambe os filhos na combustão do amor,
na intensidade dos filhos geradores das suas mães.

os homens pinguins abraçam a criação dos filhos
e nas suas mais altas mãos estendem os seus cravos
às águas e aos céus,
no acordar da roda cosmogónica do amor.

28 abril, 2010

todo o mundo acontece no alto ventre da mente.
o pensamento é o corpo da alma e da inexistência
onde descansamos o existir.

é de amor que vestimos os nossos ossos e as nossas pétalas
com os seus cheiros de lótus e água do ventre.
é de silêncio as raízes do amor,
raízes umbilicais com que criamos o mundo e a luz.

é de silencio a verdade do beijo do encontro do encontro da alma da vida:
somos silêncio, água e pouco mais.

silêncio dos mil verbos do amor
com que rasgamos os passos, a boca e as mãos.

o pensamento é as asas do corpo:
asas de condor alado no voo perpétuo das vidas:
asas com que sentimos o vento do outro,
na existência dual do eu e do tu,
onde me crio e te crio
e onde te crias e me crias no desapego e na paixão,
onde tudo é silêncio, infinito e vazio.

sempre e em nenhum lugar.

26 abril, 2010

da cabeça habita a existência do eu.
cabeça na iminência do vazio e do tempo.


cabeça sacrário da criança passada:

com mãos vacilantes e sonhadoras.

criança secreta e sombria,

criança projecto do mundo,

criança performativa do silêncio.

eu criança inexistente refém da cabeça do eu:

velha pelo tempo e esquecida pelo corpo.

corpo em metamorfose total,

corrompido no momento presente e passado.


cabeça canibal dos dias,

devoradora da existência no envelhecer do sangue.

cabeça sonhadora do eu:

eu imaginado pelo eu,

construído num mundo palco,

encenando os verbos da vida…

vida contida na cabeça do mundo.


o eu vive pela cabeça do eu,

na realidade do eu cabeça.

morre o eu no encerrar dos dias,

e com o eu morrem todas as visões da vida.


o eu é nada.

o eu é passado passado.

eu imaginado na construção do mundo.

eu universal nas águas do cosmos.

24 abril, 2010

cantam as fadas em redor do teu corpo vida.
no desassombro dos cravos em flor
sussurram a liberdade das mão e do verso,
esse verso que te toca o peito ao de leve
e te faz sorrir no correr do rio.

voemos com as nossas asas de sonho o mundo todo,
no decalcar do solo a cada dia,
na surpresa e no encontro que nos arde em chamas de azul.
que a minha língua exploradora seja a bússola do teu desejo,
na vertigem e na queda das asas que nos cobrem.

que os lábios escondam o beijo sem o reter,
no sentir incessante da ternura,
no afago dos ossos
na adulação do teu útero quente e húmido.

e todo o respirar é lento,
na paragem do pensamento e na cobertura da pele,
no prolongamento do tempo e do êxtase
no sorver das tuas águas todas.

23 abril, 2010

da pele serena onde descansam as fomes do mundo,
exaltam aromas de canela e pimenta.
a pele é o desejo manifesto do interior do corpo,
onde o toque singular cria a reviravolta do mundo.

pressinto as mãos que descansam no louvor da vida,
onde tocas nos segredos das coisas mais pequenas
na eterna dança do teu corpo manifestamente dançante.
sente-se o vento que crias na passagem,
vento criador e dissociado do desejo,
onde o tempo parou e encerrou os meus olhos.

é o verbo da tua pele que escrevo hoje,
nestas águas onde encerro as tuas mãos eternas.

o amor é causa alguma onde descansamos a vida,
amemos todos os todos que nos cercam.
tornemos no alto do amor a união dos corpos todos
na elevação da alma mãe e única.

22 abril, 2010

pegaste pela luz a água do leito.
cheiram a ramos os teus cabelos arco-iris,
e de ocre pintas o sonho das árvores.
árvores que sobem e que descem pela raiz do sonho,
perfurando pela força do poema o coração das coisas.

os teus joelhos cheiram a terra doce e a alecrins da primavera,
e do teu ventre nascem vertiginosas mariposas
com as suas asas em flor e o seu canto de silêncios.

correm os rios em seus percursos furibundos,
desbravando as tempestades do caminho
e alimentado as bocas e os seus dentes,
na revolução do alto das tuas pernas.

é no abraço que sinto a plenitude das paisagens,
daquelas com que vislumbras os meus olhos,
no calor do sossego.
beijo todos os poros com que inspiras a terra,
todos os dias da existência
para além da memória das pedras de âmbar.

e amo todo o teu céu até ao centro da terra,
onde flamejas a chama flamejante do amor e da vida.

de terra foste da terra és.
como eu, tu pela existência do mundo,
nesta casa onde me enlaças, libertando-me.
casa de água e terra pelo coração;
casa de ar doce e terno pela alma.
no teu ventre de terra continuo a nascer e morrer,
terra berço, terra sepultura,
terra imensa e total.

20 abril, 2010

as mãos encerram o segredo do corpo.
segredo fechado na parte interna da língua,
no silêncio do limbo onde a água nos cobre.

o corpo é um poço onde o sangue respira,
onde a alma borboleta voa o amor e a fuga.
poço com a água da noite,
onde em tempos se recriou o corpo
dentro do corpo lunar da mãe.

despeço-me destas águas no encontro com o mar
e num sorriso a alma é um vazio total,
e numa lágrima de éter se condensa todo o momento do existir.
crescem maças pelo mundo com sabor a cereja
e germinam flores no alto das crianças onde as suas almas são dez mil sois violeta.

queimam-se as memórias e as dores do caminho:
no ar caem pássaros de cores sublimes cantando a morte.
nada é para além da morte
e pela morte tudo verdadeiramente existe.
No existir,
no magnânimo existir,
nada é para além do existir.

19 abril, 2010

sento-me na saliva do desejo,
no abraço das árvores, na candura das nuvens.
o meu corpo é feito de todas as particularidades do mundo,
aquele mundo que te assola a mente e a ponta dos dedos.

toco-te com as pestanas asas de borboleta
no esplendor da altitude dos corpos,
no grito calmo e doce que emerge da palavra.

como-te como se comem ostras,
no ritual do corpo que morre pelo boca,
na conjuntura da água e da carne.

os lençóis voam como bandos de asas
percorrendo todo o céu em espirais de sonho.
chovem flores carmim dos teus olhos de amêndoa
onde o sol se põe no aconchego.

sento-me na saliva do desejo,
no arquear do corpo entre os mundos todos.

riem-se os deuses que habitam na voz,
no contentamento do arrepio,
na queda do apego,
na elevação da compaixão.