20 outubro, 2010

perco o ar na queda da raiz daquela pérola,
pedra encantada pele canto, pelo escurecer das nuvens.
perco a exactidão sobre as romãs escancaradas,
janelas voadoras com portadas batendo,
funesta coisa do coração incendiado,
folha que cai e sobe na ascendência da tristeza,
árvore que chora nos meus pés os amores contidos.
perco a roupa no areal da praia sem mar,
os ouvidos abrem-se à imensidão das conchas que cantam,
e o tecido voando como pássaros, como seres brilhantes,
aquele lenço testemunha do abraço,
do arco-iris que despoletou das arestas do soalho,
sorrindo...sorrindo.

perco o fluir do sangue da palavra,
palavra que anda com suas mil pernas sobre a alma,
esquecimento perfeito do choro, dos braços estendidos,
onda transparente onde molho os cabelos do animal,
animal intratável do beijo,
malmequer de metal florindo nos meus olhos
regado pelo sangue que apodrece no cérebro alado.
imensidão de pedras no meu peito,
na luz que entra sem sair:
sou esta claridade que se extingue,
que finda no sofrimento da palavra que sai pelos dedos,
sou esse beijo luminescente das algas,
sou a terra que sustenta a folha e o canto,
sou o grão, a lama, o poema, a pedra,
aquela coisa que ampara a revolução da lágrima,
do riso.

perco-me na luz que entre pela frecha do coração,
explodindo aqui e ali nas partes redondas da alma,
onde a folha e a flor renascem incessantes
no balão amarelo sobre a agulha que salta,
agulha que corre pelos sorrisos dos lábios:
alma infinita, copo cheio de vinho,
sorvendo a carícia pelas águas da transpiração.

perco-me no caminho entre o umbigo e a vulva,
no entrelaçar da agulha que tece o poema,
êxtase no tocar dos dedos e da língua entre as cochas.
o oceano que se impõe,
a tempestade do movimento,
nave que exala o aroma das especiarias,
das frutas doces,
das torradas com manteiga,
dos incensos queimando sobre o pires...
o corpo gritando a alegria, a palavra secreta,
o desejo, a eternidade...
a flor amarela que ressuscita no ventre
cantando as águas.

perco-me no encontro do volátil ser que sou:
bicho que explode a cada dia pela palavra,
pelo desejo de possuir a palavra desconhecida,
sustentando de braços abertos o amor,
a plenitude do sorriso coração.
vivendo e morrendo,
passando e passando pelas vidas.
perco-me no encontro e encontro-me quando me perco,
coração de frente e verso...
sorrindo.

Sem comentários: